Luciano Oliveira - [email protected]

Opinião: Um portal da realidade

AREIA BRANCA ANTIGA, A PRAÇA DA PREFEITURA …adolescentes das altas classes sociais areia-branquenses, após a missa, num verdadeiro desfile pelas calçadas da Praça da Conceição, exibiam a última moda vinda da capital

Na série “Fala Memória” de hoje (19/09/2010), o artigo intitulado “O Portal da Rua do Meio”, de autoria do Dr. Evaldo Alves de Oliveira, traz à tona a discussão sobre lugares e situações que nos fazem transcender o mundo real e navegar, em meio a lembranças da infância, num mar de poesia. Fala-se de “Portais”.

É um tipo de debate cheio de saudosismo e emoção. E muito bom. Mas, não podemos deixar que nos contaminemos pelo transcendentalismo e que se anule o pensamento racional. É necessário levar em conta que esses “Portais”, sejam os metafísicos de Dan Brown ou poéticos de Dr. Evaldo, todos eles, estão inseridos na realidade material, da qual não conseguem desacoplar-se.

O Pórtico idealizado pelo autor, por exemplo, ao mesmo tempo em que nos põe em contato com emoções do passado, é um “Cartão Postal” da realidade dura do Brasil e da América Latina… da desigualdade social. O quadrilátero em que os vértices são a Sede da Prefeitura, a Praça da Conceição, a Casa de Caboclo Lúcio e a Casa de Manoel Bento foi palco de inumeráveis cenas de nosso mundo desigual, tão emblemáticas do Nordeste Brasileiro. Era por ali que os adolescentes das altas classes sociais areia-branquenses, logo após a missa católica, e num verdadeiro desfile pelas calçadas da Praça da Conceição, exibiam a última moda vinda da capital, fato intrigante à época ante o cotidiano de uma diminuta e pobre cidade do litoral norte-rio-grandense. Foi dali, da Casa do Caboclo Lúcio, transformada em Escola Estadual Dr. Dagmar Sabino, e da Casa de Manoel Bento, convertida em Escola Desembargador Silvério Soares, no final dos anos 80 e início dos 90, que houve a debandada dos estudantes filhos de pais ricos para Mossoró e Natal, buscando um ensino de melhor qualidade. E quedaram somente os pobres. Era naquele polígono que se concentravam os blocos carnavalescos de salão antes de seguirem para o Ivipanim Clube, fenômeno que era marca registrada da elite, já que o custo dessa aventura era acessível a poucas pessoas.

De fato, aquele “Portal”, o Portal da Rua do Meio, também tem uma fachada de desigualdade. E não se pode esquecer isso. Não que se tenha que eliminar o lado poético da História de Areia Branca, mas que se deva considerar que, inserida nos belos e saudosos cenários e cartões postais areia-branquenses, a realidade já foi tão ou mais difícil antigamente como é hoje. Se assim não se faz, corre-se o risco de ver o amor e a admiração pela nossa cidade serem consumidos pelo confronto com a crueldade do mundo real. Um mundo sem poesia.

· Marcelo Mendonça, areia-branquense. Médico, com atuação em Brasília (DF).

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