Na Colônia de Pescadores de São Cristóvão, no litoral de Areia Branca, uma folha de papel exibindo dois aerogeradores instalados no mar é colada na parede, e pequenos post-its fixados nas imagens revelam o que a comunidade da região diz esperar: “trabalho”, “renda” e “oportunidades”.
Em Ponta do Mel, a cerca de 15 km de distância, as pessoas que vivem da atividade também compartilham seus anseios: “Manter a pesca”, “curso e emprego”, “escola de mergulho” e a participação de mulheres nesse contexto estão entre os destaques.
Os quadros foram elaborados em conjunto com pesquisadores/as e técnicos/as do Instituto Senai de Inovação em Energias Renováveis (ISI-ER) como parte de uma “Oficina Socioambiental” realizada no final de outubro, em Areia Branca – município potiguar a 330 km da capital, Natal, escolhido pelo Senai como sede da primeira planta-piloto do Brasil para estudos voltados à energia eólica offshore.
O projeto está em fase de licenciamento ambiental no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O diálogo entre o ISI e as comunidades pesqueiras se dá há aproximadamente um ano.
Em agosto, uma reunião técnica promovida no município com uma série de discussões que envolveram a população, empresas e o setor público, apresentou a infraestrutura prevista, os estudos envolvidos, objetivos e resultados esperados com a iniciativa.
As atividades na semana passada, acompanhadas in loco pelo Ibama, pelo Ministério de Minas e Energia e por representantes da Embaixada da Dinamarca no Brasil e da Agência Dinamarquesa de Energia, buscam aprofundar o diagnóstico socioambiental que o Instituto faz sobre a região, com uma maior compreensão dos desafios, expectativas e preocupações apresentados pelas comunidades com a chegada da energia eólica ao mar.
Ações
Informações colhidas em campo serão utilizadas como norte para ações planejadas pelo Instituto Senai na área, observa a pesquisadora do ISI-ER, Mariana Torres, que lidera a equipe envolvida nos estudos ambientais e socioeconômicos do empreendimento.
As ações enxergadas no horizonte envolvem planos de educação ambiental e de comunicação social com as comunidades, além de fomento ao desenvolvimento de profissões e empreendedorismo local.
“A inserção das comunidades em todo o processo, desde a elaboração do projeto e nas etapas do licenciamento ambiental, tem o objetivo de engajar as comunidades e aferir o sentimento de pertencimento com a chegada de uma nova estrutura no ambiente do qual são usuárias”, diz a pesquisadora. “É ter um cuidado com essas pessoas e inseri-las no processo. É adaptar as ações ao que elas necessitam e almejam”, acrescenta.
A planta-piloto de energia eólica offshore foi concebida como unidade de pesquisa para nortear investimentos do setor, no mar, e prevenir impactos com a chegada dessa nova atividade industrial ao Brasil.
A programação realizada junto aos pescadores de Areia Branca, em outubro, incluiu a realização de um Diagnóstico Social Participativo (DSP) e de uma Cartografia Social.
“O Diagnóstico Social Participativo (DSP) faz parte do licenciamento ambiental e, por solicitação do IBAMA e aproveitando a visita da Agência Dinamarquesa de Energia, aplicamos a metodologia proposta no Estudo Ambiental”, disse Mariana Torres. Esse diagnóstico, explica ela, é a análise coletiva de problemas e pontos fortes de uma comunidade, feita com a participação ativa dos próprios moradores para orientar decisões e soluções locais.
“A partir do diagnóstico social participativo e da cartografia social conseguimos ampliar o conhecimento na identificação da localização geográfica dos pesqueiros e dos diferentes tipos de pescados, os meses do ano em que pescam cada tipo de pescado, bem como as embarcações e petrechos – os instrumentos fundamentais – utilizados por pescadores e marisqueiras. Além disso, foi possível mapear as principais preocupações, expectativas e interesses da comunidade com a chegada de projetos de usinas eólicas offshore”, complementa a pesquisadora.
A oficina contemplou desde a apresentação do projeto, até diferentes dinâmicas junto às comunidades. Cerca de 70 pescadores e familiares participaram.
Um mapa social do mar e a oficina para diagnóstico participativo foram realizados em conjunto. “A cartografia social é um processo participativo de mapeamento em que membros de uma comunidade ajudam a documentar seu próprio território, recursos, problemas e valores culturais, com o objetivo de fortalecer sua identidade coletiva e assegurar o reconhecimento e a proteção de seus direitos e interesses”, pontua o também pesquisador do ISI-ER, Gabriel Lima.
Na análise dele, “o Diagnóstico Social Participativo e a cartografia social agregam ao processo de licenciamento ambiental, ao permitirem a compreensão das dinâmicas locais, dos territórios de pesca e das necessidades específicas dessas comunidades”. “Esse diálogo fortalece a inclusão dos pescadores no planejamento do projeto, promovendo uma integração que contribui para minimizar impactos e para desenvolver uma nova fronteira offshore de forma mais responsável e sustentável”, frisa ainda.
Projeto
A planta-piloto do Senai é um sítio de testes, em condições reais de operação, para futuros aerogeradores que serão implantados no mar do Brasil. A expectativa da instituição é que o início da operação ocorra em 2027.
O projeto prevê a instalação de dois aerogeradores, com potência somada de 24,5 Megawatts (MW), no município de Areia Branca. As máquinas deverão ser implantadas a 4,5 km de distância do Porto-Ilha de Areia Branca, principal ponto de escoamento do sal produzido no Brasil.
A região é considerada rasa e, segundo estudos desenvolvidos pelo ISI-ER, está distante de recifes de coral e das tradicionais zonas de pesca.
O sistema de implantação se baseia em um modelo criado pela empresa espanhola Esteyco, que possibilita a montagem total das torres em terra e que elas sejam então levadas até o destino, no mar, com o apoio de rebocadores – ou seja, sem a necessidade de grandes estruturas de navios, atualmente escassas e caras no mundo. As máquinas seriam então posicionadas no fundo, sem perfuração.
Projeto tem estudos tecnológicos e socioambientais como chaves
O sítio de testes terá o objetivo de analisar o desempenho dos equipamentos de geração de energia eólica offshore em condições do mar equatorial brasileiro. Segurança e função, desempenho de potência, cargas mecânicas, ruídos, suporte e afundamento de tensão, além de qualidade da energia poderão ser avaliados na área, mas não só isso.
O objetivo do Instituto Senai é também estudar, entre os aspectos fundamentais, se a instalação de usinas eólicas offshore provocará alterações no comportamento dos animais marinhos e das aves, mudanças na flora marinha, no fundo do mar, nas atividades existentes na área, na geração de empregos, no potencial crescimento da economia, além da necessidade de cursos profissionalizantes.
“Esse é um projeto que busca o desenvolvimento e a confirmação tecnológica em condições brasileiras, de tecnologias de fundação, de tecnologias de torre, a avaliação de desempenho de aerogeradores, o desenvolvimento da cadeia de fornecedores no país. Há assuntos tecnológicos fundamentais para o setor de energia eólica e para sua atividade no offshore, bem como para o desenvolvimento de uma cadeia como um todo, em solo brasileiro, além dos reflexos positivos a serem analisados na flora e fauna e no meio ambiente onde estão localizados”, observa o diretor do SENAI do Rio Grande do Norte e do ISI-ER, Rodrigo Mello.
Dúvidas relacionadas a essa nova fronteira energética foram apresentadas pela comunidade de Areia Branca durante a reunião técnica, em agosto, e também nas oficinas realizadas em outubro, em post-its que perguntavam, por exemplo, “vai afugentar os animais? vai prejudicar a pesca? vai inibir a circulação do pescador”?.
Os pesquisadores do ISI explicam que a intenção com o projeto da planta-piloto é buscar respostas para que a chegada das indústrias do setor gere crescimento e não impactos negativos. Também ressaltam que o projeto vai seguir todas as normas estabelecidas pela Aeronáutica e a Marinha, evitando riscos ao tráfego de aeronaves e de embarcações na região.
Se haverá afastamento de animais ou se projetos como esse irão naturalmente atrai-los, e, se houver afastamento, como viabilizar medidas para compensar isso, são questões levantadas pelos pescadores e que estão entre os focos dos pesquisadores no projeto.
“As oficinas reforçam preocupações das comunidades”, disse Mariana Torres. “Mas também conseguimos mapear as expectativas com a chegada das capacitações”.
Os próximos passos, segundo ela, são “dar continuidade a esse diálogo com a comunidade, refinando/atualizando cada vez mais a cartografia e as informações levantadas”. “Queremos mapear os interesses em maior detalhe e identificar como o Senai pode atuar junto à comunidade através do projeto piloto offshore”, frisa a pesquisadora.
A presença das instituições dinamarquesas nas oficinas está associada a uma cooperação técnica entre o Brasil e o país europeu, por meio da qual o Ibama busca aprimorar as práticas aplicadas ao licenciamento ambiental de empreendimentos eólicos offshore. Nesse contexto, o órgão solicitou ao Senai a aplicação do Diagnóstico Social Participativo proposto no estudo ambiental.
“A ideia é analisar nossa aplicação para aperfeiçoar o processo de licenciamento no órgão por meio também da interação e sugestões com as instituições dinamarquesas”, explicou Torres.
Em relatório elaborado após as oficinas, o Ibama concluiu que o acompanhamento das atividades “alcançou de forma satisfatória seus objetivos”, permitindo à equipe ter acesso à aplicação, na prática, da metodologia descrita no estudo ambiental do empreendimento, “o que irá auxiliar na análise da documentação apresentada para subsidiar a decisão quanto ao requerimento de licença prévia para o Projeto” da planta-piloto.
O órgão também ressaltou que a participação de especialistas dinamarqueses na atividade contribuiu para a troca de experiências entre os países.
A planta-piloto a ser implantada pelo Senai está entre os 97 complexos eólicos offshore previstos para o Brasil, com processos de licenciamento já abertos no Ibama. A região Nordeste tem a maior participação em número de aerogeradores e potência instalada projetados para os empreendimentos, puxados principalmente pelo Ceará e pelo Rio Grande do Norte – estado que lidera a produção brasileira de energia eólica, em terra.
Texto: Renata Moura
Fotos: Divulgação ISI-ER