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Em 9 de março de 2015, um dia depois do primeiro panelaço, Dilma conversou com jornalistas e deu sinais de que a crise havia se agravado ao mencionar, pela primeira vez, o impeachment

Fim do caminho: a agonia de Dilma Rousseff nas imagens de um veterano de Brasília

Em 9 de março de 2015, um dia depois do primeiro panelaço, Dilma conversou com jornalistas e deu sinais de que a crise havia se agravado ao mencionar, pela primeira vez, o impeachment
Em 9 de março de 2015, um dia depois do primeiro panelaço, Dilma conversou com jornalistas e deu sinais de que a crise havia se agravado ao mencionar, pela primeira vez, o impeachment

Fotos: Orlando Brito

Desde 1965, Orlando Brito fotografa a República de Brasília. Nenhum presidente desde então escapou de suas lentes. Entre os fotógrafos do Planalto, é o que está a mais tempo na ativa, depois que Gervásio Baptista, uma referência no fotojornalismo político brasileiro, parou de fotografar em 2015, com mais de 90 anos.

O pai foi prefeito na pequena cidade mineira de Janaúba e aliado de Juscelino Kubitschek. Quando JK anunciou a construção de Brasília, a prefeitada mineira seguiu o líder. Para lá foi Brito-pai, levando consigo um único dos sete filhos, Orlando. Os dois chegaram em 1957.

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Brito, que iria ver a mãe apenas um ano e meio depois, ajudava o pai a vender tijolos e cimento. Aos 7 anos, já se considerava um veterano de Brasília. “Conhecia os caminhos de terra que traziam cimento, tijolo e areia para os palácios. Eu ia na boleia dizendo ‘à direita, à esquerda’. No Alvorada, cansei de descarregar tijolos com minhas mãos.” O negócio do pai rendeu certo dinheiro à família, a ponto de Brito estudar num dos colégios da elite brasiliense, o Dom Bosco, por onde passou, entre outros, Fernando Collor de Mello.

Quando Brito tinha 15 anos, uma tia apareceu em sua casa com o marido, o fotógrafo Roberto Stuckert – pai de Ricardo e Roberto, hoje os fotógrafos oficiais de Lula e Dilma, respectivamente. O jovem passou a auxiliar o parente, carregando a bolsa com o equipamento fotográfico. Conseguiu um emprego no Última Hora, onde começou servindo cafezinho, até que o deixaram trabalhar no laboratório de imagens. Um dia faltou fotógrafo para uma pauta, e a missão caiu em suas mãos. Sua primeira foto, um prenúncio do que viria pela frente na sua carreira, foi do general Castello Branco, o primeiro dos presidentes da ditadura militar. Não saiu na capa, mas foi publicada no corpo do jornal. Era um começo.

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Brito passou pelo jornal O Globo e se consolidou como um dos grandes da área na revista Veja, onde permaneceu por dezesseis anos. Ajudou a fundar a revista Caras, criou sua própria agência nos anos 90 e passou a fazer campanhas políticas. Atuou em todas as presidenciais do PSDB desde 1994. Hoje, mantém com quatro outros jornalistas um site de notícias chamado Os Divergentes.

De todos os poderosos que fotografou, tem um predileto. “Nada foi maior que conviver com doutor Ulysses no auge”, disse, lembrando ter sido “muito amigo” de Ulysses Guimarães. É do presidente da Constituinte uma de suas grandes fotos. Brito estava indo embora do Congresso, num dia de 1992, quando o viu chegar. Era outubro e o sol do final da tarde de Brasília estava forte. Achou bonita a imagem do líder do PMDB contra a luz e disparou sua câmera. Seis dias depois, Ulysses desapareceria num acidente de helicóptero no litoral fluminense. A foto, um perfil escuro de Ulysses na contraluz, da qual se destaca um halo, ilustrou a capa da revista Veja com o título “Por quem os sinos dobram”.

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Nos últimos meses, Brito passou a acompanhar a então presidente Dilma Rousseff (PT) com esse olhar premonitório. Observa a impaciência da presidente na maneira como ela raspa a sola do seu sapato pelo chão, nas piscadas mais lentas, acompanhadas de bufadas de ar. Repara na tensão corporal, na fisionomia triste e exausta. Registra com suas câmeras, não com muita simpatia pela personagem, mas com certa compaixão. “Não é só uma presidente com problema. É um ser humano passando por problemas”.

Num dos cliques mais reveladores da crise, Dilma parece velar o próprio governo, numa expressão de desamparo e resignação, sentada ao lado dos ministros Aloizio Mercadante e Celso Pansera (este último já fora do governo), como se fossem os parentes – um do PT, outro do PMDB – que lhe restaram.

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Há, além dessa cena, imagens premonitórias da presidente com o vice. Muito antes do rompimento oficial entre Dilma e Temer, as fotos já mostravam que ali nunca houve sintonia, no máximo tolerância. Apesar do protocolo ditado pelos chefes de cerimonial, o registro que fica para as lentes de Brito é o mal-estar e o distanciamento incontornável entre os dois. Ao lado de Dilma, Temer não aparece como um “vice decorativo”. Ele não decora nada, antes rivaliza com ela. Há um antagonismo latente e às vezes explícito entre os personagens.

A foto da posse de Dilma, em 2011, incluída nesta edição, já anunciava a natureza dessa relação. Nela, Lula suspende o braço esquerdo de Dilma após lhe passar a faixa presidencial. Os dois se olham com cumplicidade. Foi esse o registro feito na ocasião pela maioria dos fotógrafos. No corte de Brito, porém, há um terceiro elemento que perturba a harmonia do momento e confere à cena outro sentido. É Michel Temer. Em pé, ao mesmo tempo próximo e distante de tudo, o vice aplaude o casal. As mãos rígidas e a posição dos braços sugerem um aplauso contido, em sintonia com o sorriso à meia-boca e o olhar fulminante. O conjunto fala por si. Orlando Brito não precisaria de mais nada para provar sua tese: “Fotografia de política tem muito mais de futuro do que de passado”.

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Por: Orlando Brito, fotógrafo independente, é editor do site de notícias Os Divergentes e Julia Duailibi, repórter de piauí (www.piaui.folha.uol.com.br). Trabalhou na TV Bandeirantes, na Folha de S.Paulo, na Veja e n’O Estado de S. Paulo

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