Luciano Oliveira - [email protected]

Fala, Memória: Os meninos da Rua da Frente

AREIA BRANCA, USINA DE LUZ Prédio da antiga usina de luz (segundo à direita) mencionado na crônica

Nos últimos anos da década de 1950, poucos meninos e meninas moravam na Rua da Frente, em especial naquele trecho entre a igreja e a antiga usina de luz. Eram crianças que pouco saíam dali e, talvez por esse motivo, desenvolviam formas específicas de brincar, até pelo fato de, à época, ser a rua mais agitada da cidade, com grande movimento de pessoas e mercadorias.

Em uma chamada à memória, surgem os nomes dos meus irmãos, que eram nove, de Haroldo de Zé Leonel e dona Hilda – que sonhava ser paraquedista -, de Concebida e Pedro de Chico Lino, de Edna e Margarida, netas de seu Quincó, de Lázaro e Petinho, filhos de dona Branca, dos netos de seu Izidro, além de Valdeme e Luzia, filhas de Valdemiro e dona Noêmia, esta uma exímia boleira. Não esquecer dos filhos de seu Ernesto, que moravam pros lados da mercearia de Sebastião Amorim, uma das melhores da cidade.

As brincadeiras giravam em torno dessas características socioeconômicas e urbanas. A gente escondia uma pedra dentro de um chapéu de palha e colocava na calçada para algum incauto chutar. Certo dia uma pessoa, ao ver o chapéu na calçada, gritou para um conhecido, que ia à frente, para que se posicionasse como goleiro, fez carreira e chutou com força. Passamos o restante do dia contando para os outros e rindo.

Na Rua do Meio, do outro lado do nosso quintal, a gente fazia um grande laço na ponta de uma corda bem comprida, cobria com areia e ficava esperando alguém pisar dentro, para puxar com força.  Era só esperar a queda, e a meninada saía correndo de trás dos pés de fícus às gargalhadas. Pela manhã, Popõe, que vendia confeitos em um carrinho, na pracinha, e também alugava bicicletas com seu irmão, empurrava o seu carrinho lotado de tudo que era guloseima e, ao pisar no laço, puxaram a corda e o tombo foi grande. Ele se esparramou no meio da rua, e a meninada riu o dia inteiro.

Havia as brincadeiras comuns a qualquer criança da cidade. Eram os jogos de castanha, as brigas de galo, as pipas – papagaios – e, quando chovia, era a brincadeira com as canoas feitas de catemba de coco, com suas velinhas brancas.

A meninada brincava, ainda, com rodas de ferro empurradas por um arame com a ponta dobrada, ou rodas tiradas da reborda de pneus de caminhão,  controladas com a mão, no nível da cintura.

Nas férias também rolava o jogo de piões – os nossos eram feitos no torno por Chico Cirilo, padrinho do meu irmão Francisco. Não posso esquecer das latas de óleo ou leite em pó que, furadas nas duas tampas, eram puxadas por um arame que passava pelos orifícios, e arrastadas por um cordão. Também brincávamos de fazer quebra-canelas, que todos conhecem.

Eram brincadeiras inocentes, desprovidas do vírus da maldade, feitas para passar o tempo. Pouco jogávamos futebol – e, quando o fazíamos, era no nosso quintal.  Ninguém da rua tinha bicicleta, e os banhos no rio Ivipanim encarregavam-se de ocupar o restante do nosso dia, em especial nos meses de férias escolares, pois as viagens eram raríssimas para aquelas pessoas, mesmo para cidades próximas, como Mossoró. Açu ficava muito distante.

Era desse modo que a gente brincava. Nossa infância foi feliz assim, com o toque da simplicidade.

· Evaldo Alves de Oliveira, médico e escritor (Extraído do www.areiabranca.wordpress.com)

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