Antiga Rua do Meio (hoje Cel. Fausto) em destaque o majestoso Cine Miramar
Toda vez que visitava Areia Branca, descubria-me postado entre o prédio da prefeitura e a pracinha, e me flagrava olhando para a Rua do Meio, no sentido do Cine Coronel Fausto. Não sabia por que, mas aquele trecho sempre me intrigou, e sempre suspeitei que de que havia algo muito além dos interesses sentimentais de uma criança.
Aquele trecho da Rua do Meio, que se iniciava com a casa de Caboclo Lúcio, à direita, e a casa de Manoel Bento, do lado oposto, chamava minha atenção, mas eu achava que era somente uma questão arquitetônica.
Ao lado da prefeitura, em frente à casa de Manoel Bento, havia uma árvore frondosa, onde as crianças gostavam de brincar. Nesse tempo havia árvores nas ruas, um convite para as crianças se arriscarem, e treinar a ultrapassar obstáculos. Foi subindo naquela árvore que, certa vez, Dedé Sodré – o rei da onomatopeia – diria, utilizando tudo que havia de gutural em sua garganta:
– Rassp, rassp, rassp – enquanto se esforçava para nos alcançar.
– O que é isso, Dedé? – perguntávamos como provocação, já sabendo a resposta.
– Estou roçando na árvore para subir, não estão ouvindo?
No alto da árvore, tomávamos um refresco de tamarindo – natural – cheio de gelo raspado com um objeto que não mais existe: uma raspadeira, parecido com uma plaina de madeira. E o barulho logo surgiu:
– Glub, glub, glub…
Era Dedé fazendo seu ruído característico ao tomar o refresco.
Pouco tempo depois, ouviríamos um barulho estranho ao nosso lado:
– Zzzzz, zzzz, zzzz…
Era Dedé simulando dormir.
Eu tinha certeza de que aquela árvore tinha uma função estratégica, além de reunir a meninada. Porém, criança, não conseguia entender.
O Palacete Municipal, a pracinha, a casa de Caboclo Lúcio e a casa de Manoel Bento –agora descobri – formavam um portal e, ainda hoje, quem o transpõe entra em contato com as emoções do passado, e visualiza o Cine Miramar, o sobrado dos Dantas e o Cine Coronel Fausto. Instigado pelas forças do destino, descobri recentemente que aquela árvore emoldurava o Portal da Rua do Meio. E desconfio de que a senha para acesso a esse portal seja a capacidade de uma contemplação infantil.
Os portais de Dan Brown são portões místicos que guardam segredos milenares, e somente podem ser transpostos com o uso de senhas misteriosas ou por procedimentos metafísicos. O nosso portal era emoldurado por uma árvore que não mais existe, e formado por duas casas em uma esquina, ambas muito bonitas – a casa de Caboclo Lúcio e a casa de Manoel Bento, citadas por Chico de Neco Carteiro em sua bela crônica Becos, Ruas e Esquinas. Senha de acesso: capacidade de contemplação infantil.
Sem saber, Chico se referia a um portal, não a uma simples esquina.
· Evaldo Alves de Oliveira, areia-branquense. Médico e escritor. Leia mais artigos do autor acessando: www.areiabranca.wordpress.com