“A visão das canoas, com suas velas triangulares, transporta-me aos recônditos de minha meninice”
Quando chego em Areia Branca, depois de ser recepcionado pelo cheiro e o frescor da maresia, ao me despedir de Casqueira e Pedrinhas, cumprimento Upanema e sigo em frente. O primeiro impulso é dar uma olhada na Rua da Frente, mirante da minha infância.
Parado à beira do cais, contemplo o rio Ivipanim, e meu olhar se rende à beleza do manguezal que emoldura o encontro do rio com o céu, no outro lado do rio. Retorno o olhar para os lados de Porto Franco, viro a cabeça lentamente pelo horizonte, e contemplo Barra e Pernambuquinho, mesmo sem identificá-los à distância. O olhar continua fixado na margem oposta do rio, virando à direita, e imagino Tibau. De longe, Tibau me lembra uma fogueira, com sua ebulição amarelo-ocre cintilando ao sol da manhã, que aqui nasce primeiro, com pressa para esparramar seu calor estorricante.
Os barcos, qual imensos lagartos, parados ou em movimento, fazem parte do meu segundo pacote de observações. Aí viajo no tempo, e vejo as velas amareladas das barcaças, imagino antigos iates, belos forasteiros que enriqueciam as objetivas de Toinho do Vale, nosso fotógrafo-síntese, que ainda encanta e surpreende pessoas de todas as gerações, testemunhando, em preto e branco, um passado difícil de ser esquecido. Ah, a Rampa. Contemplo-a, e descubro que continua com o seu incansável serviço de despachante e recepcionista de cargas e pessoas, indiferente ao passar dos anos. A visão das canoas, com suas velas triangulares, transporta-me aos recônditos de minha meninice.
Imagino como estará a prainha de Zé Filgueira, onde nos banhamos e aprontamos estripulias e peraltices. A igreja, com sua torre única e seu ar de esfinge, me fascina desde pequeno. Revejo suas imagens com cheiro e cor de antigamente. E me descubro sentado naqueles bancos carregados de história. A pracinha continua acolhedora, e sabemos que agora está bonita e de roupa nova, feito as meninas dos antigos pastoris.
E fico de frente para a Rua do Meio. E, mais uma vez, sou tomado por forte emoção, como se em outro momento estivesse. Tempo e espaço me confundem. Penso no Portal Mágico que emoldura sua entrada, e caminho por suas calçadas tantas vezes percorridas em minha infância, quando no rumo do Cine Coronel Fausto, muitas vezes sem destino definido. Apenas passava por lá, e hoje eu sei muito bem por quê. Percebo, nas calçadas, cadeiras diferentes, pessoas estreantes, mas a magia é a mesma. Elevo o olhar e contemplo o asfalto, o carago negro que hoje conhecemos.
“Parado à beira do cais, contemplo o rio Ivipanim, e meu olhar se rende à beleza do manguezal…”
Já é tarde. Passo na casa de Anália e Chico Cirilo, o homem forte que outrora fazia uma mágica: transformava em um belo e elaborado pião um pequeno toco de pau, utilizando um torno da firma em que trabalhava.
E tomo o rumo da praia de Upanema. À noite, junto ao Farol, contemplando o horizonte, ouço o ruído do mar tentando desenrolar suas ondas brincalhonas, e escuto antigos ruídos, percebo estrelas cadentes e, argonauta, sinto-me Jason comandando o Argos, e invado galáxias, visito reinados, combato monstros mitológicos. Enfim, entrego-me ao devaneio, sonhos de outrora.
Os heróis gregos também sonhavam.
Obs.: De acordo com a mitologia grega, Jason foi um herói, um líder, que juntou uma equipe de deuses e semideuses para embarcar no Argos, em uma missão destinada a encontrar o Velo de Ouro, que teria o poder de trazer bem estar a toda a humanidade. Sua grande habilidade foi inspirar os argonautas a encontrar e usar seus poderes especiais e individuais, o que foi a chave do seu triunfo. Medeia fez parte desse grupo.
Evaldo Oliveira, é areia-branquense. Médico e escritor, reside em Brasília (DF)