Luciano Oliveira - [email protected]

Fala, Memória: Carpinteiros e calafates

CALAFATES 1

Embarcações construídas por experientes carpinteiros que fazem parte da história da cidade

Apesar de serem duas categorias distintas, não poderiam sobreviver separadas. Isto porque, se não houvesse o calafate, de nada adiantaria ao carpinteiro construir uma embarcação, bem como de nada adiantaria ao calafate a não existência do carpinteiro. Assim sendo, uma constrói, e a outra a deixa estanque, para navegar com tranqüilidade.

Não tenho conhecimento de que em Areia Branca, houve construção de embarcação de grande porte como as barcaças a vela, somente botes, lanchas e bateiras. Com certeza, isto se deveu a falta de material para a construção, pois profissionais competentes houve, e creio que ainda há. Cito por exemplo, seu João Rodrigues que era o chefe dos carpinteiros da Companhia Comercio e Navegação (CCN), e Chico de Mariquinha, chefe dos calafates da mesma empresa. Seu Chico Alves, da Mossoró Comercial, João Quixabeira, da Salmac, sem falar nos avulsos como Chico Germano e Zé Tavernard, este ultimo que irei dedicar minhas lembranças à sua oficina onde trabalhei como aprendiz de marceneiro.

Como disse não me lembrar de grandes construções navais em Areia Branca, porém lembro-me de grandes reparos nas barcaças, como por exemplo, substituição de cavernas, escoas, e tábuas de resbordo, que eram as mais difíceis, por motivo de não haver o material que permitisse fazer as curvas a exemplo do que acontecia com as cavernas, aonde as peças de madeiras já vinham quase no formato necessitando apenas de moldá-las, com machados e enxós.

Aos 17 anos em 1954, trabalhei como aprendiz de carpinteiro, na CCN, e lá pude constatar a perícia de seu João Rodrigues, na substituição de cavernas, escoas e tabuas de resbordo da barcaça Tibaú, que era juntamente com Unidos e Redonda, a embarcação de maior tonelagem que havia no Porto de Areia Branca, que conduzia até 120 toneladas de sal. As demais variavam de 50 a 90 toneladas. Para esta faina, era necessária a embarcação ficar paralisada por certo tempo. No início seu João determinou que fosse trazido para bordo tábuas de forma, isto é, tábuas de pouca espessura, que ia servir de modelo da peça a ser substituída. Molde pronto determinava aos seus auxiliares, que usassem machados e enxós, na peça que tinha sido previamente escolhida e a deixasse igual a que seria substituída. As partes excedentes da peça após o uso do machado eram conhecidas como cavaco, e era aproveitado por grande parte dos habitantes para fazer iniciar o fogão a carvão, pois o fogão a gás ainda não se usava na cidade, e se usassem eram poucos. Na época, havia a famosa expressão “apanhar cavaco”.

Enquanto os carpinteiros preparavam a peça, os calafates tratavam de retirar as cavilhas de fixação que unia as duas peças, para retirada de uma e a colocação de outra. Peça substituta pronta era necessário algumas pessoas para levá-la do estaleiro a barcaça devido a seu peso. Colocada a peça no seu devido lugar, novamente vinha a atuação dos calafates, vedando as aberturas existentes, com estopas alcatroadas, e massa feita com pó de cal peneirado, e óleo de carrapateira, como era conhecida a mamona.

Na foto acima, vemos um bote em desmanche, porém vamos imaginar que seja a construção de uma barcaça. Colocada a quilha e o cadaste de proa e popa, vem em seguida a colocação da caverna mestre em ambos os bordos, que são situadas na seção de maior boca do casco da embarcação. O próximo passo é a colocação das demais cavernas, que são mantidas na distância exigida na parte superior por uma ripa, até a colocação das tábuas a altura do convés, quando o mesmo também era colocado. Terminada a faina dos carpinteiros, entra a dos calafates, que deixam a embarcação completamente estanque, e pronta para navegar. Estas duas categorias em extinção, no passado, foram co-autores das manobras ousadas executadas pelos marujos das barcaças, que a muitos causou admiração. Justiça seja feita!

* Antônio Fernando Miranda, areia-branquense. Reside atualmente em Fortaleza (CE)

Print Friendly, PDF & Email

Compartilhe:

guest

0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments

publicidade