Por José Fabiano Pereira da Silva[1]
Chegou mais um verão! Como de costume, seu início se deu de acordo com dados oficiais, ainda no ano passado, mais precisamente em 21 de dezembro, e se estenderá até o dia 20 de março deste. Mas, para alguns, ele só começa mesmo pra valer agora, pois aqui em nossa região o pessoal costuma viver e aproveitar intensamente cada momento festivo.
Há apenas duas semanas atrás só pensávamos no Natal e nas festas de Réveillon para receber o Ano Novo; agora sim, é chegada a hora de guardar a roupa branca e o esquecer-se do champanhe e aproveitar ao máximo o sol e o mar e tomar aquela cervejinha “estupidamente” gelada, afinal de contas: CHEGOU O VERÃO!
Mudam as estações, – ainda que para nós existam apenas duas bem definidas, a chuvosa e a ensolarada – mudam as festas, as de fim de ano dão lugar agora ao Carnaval; o que não muda e, quiçá não mude jamais (“Mudaram as estações, mas nada mudou…”) é o forte, inapelável e, sobretudo, irrecusável convite ao consumismo, ao comprar compulsiva e exageradamente e na maioria das vezes sem – groso modo – “precisão”, o que por sua vez leva grande parte das pessoas ao prejudicial e incômodo endividamento, seguido de sérias implicações no orçamento familiar. Números divulgados recentemente pela SERASA EXPERIAN e disponíveis no endereço: http://www.serasaexperian.com.br/release/noticias/2012/noticia_00740.htm, dão conta de que “a inadimplência dos consumidores brasileiros cresceu 21,5% em 2011, na comparação com 2010”, ainda conforme esses números essa “foi a maior elevação verificada desde 2002, quando houve um crescimento de 24,7%”. O consumismo ocorre por motivos diversos; não é nossa intenção aqui discorrer sobre eles, mesmo porque não somos especialistas na área e, portanto, não dispomos de maiores e mais detalhadas informações acerca desse tema. No entanto, o senso comum e a observação do quotidiano a nossa volta nos permitem perceber que na maioria das vezes esta tendência a sair comprando e gastando sem uma reflexão prévia, ocorre porque as pessoas são alheias àquela que deveria ser a principal razão de comprar algum bem, objeto ou ainda um serviço, isto é, a satisfação das nossas necessidades, sobretudo as mais básicas. Depois disso sim, poder-se-ia começar a pensar em adquirir outros produtos e serviços de caráter mais supérfluo. Como bem sabemos, o que acontece normalmente é uma desafortunada inversão desta ordem, ou seja, o supérfluo toma o lugar do básico e acaba sendo colocado como algo necessário, imprescindível.
Os maiores responsáveis por essa onda consumista, claro, são os meios de comunicação de massa, sobretudo, a televisão – que em espanhol recebe curiosamente o nome de “caja boba”. Que ironia não é, pois, como bem sabemos, de boba ela tem nada. Muito pelo contrário, essas caixinhas mágicas (na verdade, aqueles que estão nos bastidores) são muito inteligentes, a ponto de fazer uma programação para que nós nem percebamos que, na realidade, os programados somos nós mesmos, afinal de contas, estamos sempre atrelando, condicionado algumas atividades do nosso dia a dia à programação televisiva ou ao nosso programa favorito. Entre uma novela e outra, entre um programa e outro a TV nos lembra, mais, nos convoca para a “Seleção da Felicidade” e passa obviamente a ideia – errônea, a meu ver – de que afortunado, ditoso mesmo é aquele indivíduo que consome muito. E o verão também é uma época para vender, para faturar alto. Ela também tenta passar através de suas mensagens que o único momento para ser feliz é agora, no verão, mais precisamente, neste verão; como se a felicidade fosse algo estanque, sazonal, uma mera questão de calendário, e tivesse lugar e hora marcada para acontecer.
Parece uma coisa inócua, mas não é, e nós nem nos damos conta disso. Quem nunca ouviu uma frase, propaganda publicitária ou anúncio de TV, nos quais aparecem modelos lindíssimos com os biquínis e sungas da estação, dizendo coisas do tipo: Chegou o verão, é tempo de ser feliz! Vem ser feliz, chegou o verão! Essa e outras frases corroboram o nosso pensamento e ajudam a ilustra-lo bem; há uma divulgação maciça de imagens, atitudes e conceitos associando felicidade apenas ao verão e às férias, e como disse antes, tentando passar o entendimento de que somente se pode ser feliz nesse tempo.
Todos nós aspiramos à felicidade, isso é fato. O desejo das pessoas é um só: ser feliz, gozar, aproveitar ao máximo tudo, se divertir. E não há nada de errado nisso. Porém, cabe lembrar que felicidade é muito abstrata e desta feita, os modos de ser feliz ou de curtir a vida não iguais para todos. Por isso, causa-me estranheza o fato de que, quase inexistem ou pelos menos não são tão amplamente divulgados os convite e apelos ao descanso ou repouso, por exemplo. Ou não serão estas, formas de ser feliz? A resposta quiçá repouse no fato de que tais formas de buscar a felicidade têm pouca ou coisa nenhuma relação com gastanças e excessos, que constituem o sonho de consumo dos que estimulam e lucram bastante com o consumismo. Assim, nos é dito que aproveitemos o tempo do verão e das férias para o deleite total, como se o outro, o tempo maioritário, isto é, aquele em que estamos trabalhando ou estudando, fosse como carregar um peso enorme, passar por um verdadeiro martírio, viver como escravos; é como se nessa época (o restante do ano) não tivéssemos momentos e oportunidades para nos divertir, passear com a família e com os amigos, enfim, curtir a vida e ser feliz. Somos motivados e incitados à alegria, a estar em paz e de bem com a vida, tudo isso condicionado, é óbvio, a determinados atitudes e comportamentos, entre eles sair e beber com a galera e usar roupas desta ou daquela marca, e sabe por quê? Porque “… tá todo mundo usando”. Quando escuto coisas do tipo logo me vem à cabeça o que diz a rapaziada da banda mineira 14 Bis: “Pois não posso, não devo e não quero viver como toda essa gente insiste em viver”.
Mas o pior não é isso, o pior é ter que ouvir fulano ou sicrano dizer que não consegue entender a razão pela qual, alguns pensam e agem de modo diferente. É como se existisse algo que obrigasse as pessoas a se comportarem como a maioria. É como se não fosse possível nesta época de veraneio e de férias, fazer uma opção distinta da dos demais, optando, por exemplo, pelo descanso em vez do agito ou ainda escolhendo o consumo consciente em vez do consumismo desenfreado. Claro está que cada uma dessas escolhas têm suas implicações e os seus resultados estão intimamente ligados; pois se optamos por descansar, estaremos em consequência disso menos propensos ao consumismo, e o contrário também é verdadeiro. Destarte, quem sabe, seja conveniente manter uma distância saudável do conceito de ser feliz e de aproveitar a vida que nos é proposto através das telas da TV, lembrando-nos que a felicidade, afortunadamente, não é meteorológica nem estacional e tende a estar ligada mais a certos estados interiores. Vale lembrar também que a felicidade não é algo material que esteja em oferta e possa ser comprada em suaves prestações no cartão de crédito.
[1] Filho de “Seu” Nel e de Dona Terezinha, fã das bandas 14 Bis e Circuito Musical e torcedor apaixonado do Clube Atlético Mineiro.
* Com ilustrações da Internet