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Futuro presidente, o ministro Luis Roberto Barroso assume o TSE em maio (Foto: Marco Ankosqui)

Futuro presidente do TSE é contra prorrogação de mandatos, mas admite possibilidade de adiamento das eleições

Futuro presidente, o ministro Luis Roberto Barroso assume o TSE em maio (Foto: Marco Ankosqui)

Por Germano Oliveira/ISTOÉ

O ministro Luis Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), assumirá a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em maio, mas desde já tem uma demanda antecipada de problemas. A maioria deles vem da classe política, que deseja adiar as eleições municipais, marcadas para outubro, por conta do coronavírus. Imagina-se que em outubro a pandemia já tenha acabado, mas o processo eleitoral começa bem antes com a realização da pré-campanha em março e as convenções partidárias em julho e agosto, quando a doença poderá ainda não estar debelada.

O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, foi o primeiro a pedir o adiamento das eleições. Alguns sugerem até que se prorrogue os mandatos dos atuais prefeitos por mais dois anos, coincidindo assim com a realização das eleições gerais em 2022. Barroso, no entanto, em entrevista exclusiva à ISTOÉ, diz que ainda é cedo para a tomada dessa decisão, admitindo que, se a pandemia não tiver cessado até julho, o TSE poderá adiar o pleito,“mas apenas por alguns meses”. Adverte que isso só será possível se o Congresso aprovar uma emenda constitucional nesse sentido. Mas, de antemão, não aceita a ideia de prorrogação de mandatos. Para ele, essa medida é “aterradora” para a democracia.

O senhor assumirá o TSE em maio, em meio ao outono, período crítico do coronavírus. O senhor acha que o processo eleitoral será comprometido pela pandemia?

Nós estamos em março. As convenções partidárias serão em agosto. As eleições em outubro. De modo que eu acho que ainda está cedo para tomar qualquer decisão sobre as eleições.

Já há políticos no Congresso sugerindo que se o coronavírus se estender até julho, o TSE deveria adiar as eleições municipais. O senhor acha essa medida necessária?

Não se pode descartar a necessidade de se adiar as eleições por algumas semanas. Mas, de preferência, que se realizem ainda em 2020, sem prorrogação de mandatos. A ideia de prorrogação de mandatos é aterradora. As eleições são um item vital para a democracia. Acho que, se houver impossibilidade material de realizá-las na data correta, nós devemos adiar pelo prazo mínimo indispensável para que se possa fazer as eleições sem qualquer risco à saúde pública. Aqui, é importante dizer: a saúde pública é o bem maior a ser protegido, mas logo atrás vem o respeito aos ritos da democracia.

Prorrogar mandatos de prefeitos até 2022 para coincidir eleição municipal com eleição presidencial, isso nem pensar?

Essa é uma questão política. Quem tem de decidir isso é o Congresso. Eu acho ruim cancelar as eleições municipais agora, com prorrogação de mandatos.

Por que seria inconstitucional?

Sim. Qualquer coisa nessa área, mesmo o adiamento das eleições, depende de emenda constitucional, porque a data das eleições deve ser sempre no primeiro domingo de outubro. Está previsto na Constituição.

O ministro da Saúde sugere adiar as eleições, alegando que, se elas forem realizadas, “será uma tragédia”. O que o senhor acha dessa declaração?

Eu não comento declaração dos outros, porque não a ouvi de viva voz. E não sei em qual contexto foi dita. Mas o que eu penso é que está cedo para se decidir isso e, se for necessário adiar, que seja por um período mínimo. Como já disse, a ideia de se cancelar as eleições para coincidir mandatos é aterradora.

Durante a campanha eleitoral há comícios, carreatas, convenções partidárias e aglomerações de pessoas. Isso pode ser proibido?

Nós devemos ter eleições dentro de um quadro de normalidade, em que se possa ter as convenções partidárias e se possa ter algum grau de aglomeração. Eu tenho a expectativa de que até o período da campanha eleitoral, que começa na segunda quinzena de agosto, a doença já esteja controlada. Se não estiver, aí teremos que pensar em alternativas. Mas imagino que até junho se possa ter um quadro mais claro da viabilidade ou não de se realizar eleições.

Há políticos defendendo que os R$ 2 bilhões que seriam gastos pelos partidos sejam alocados na Saúde. O próprio TSE gastará R$ 1 bilhão com as eleições. O senhor concorda com o redirecionamento dos gastos para enfrentar a pandemia?

Quanto ao fundo eleitoral, é uma questão política sobre a qual eu não gostaria de me manifestar. Não é que eu não tenho opinião, mas eu não gostaria de me manifestar. Quanto ao TSE, todas as instituições da República custam algum dinheiro. Para termos a polícia funcionando, há um custo. Para se ter o Judiciário e os hospitais funcionando, há um custo. A democracia também tem custos e precisa ter o seu tribunal funcionando. Eu até acho que se deve contingenciar verbas e tirá-las de alguns lugares, mas a democracia tem um preço a ser pago e se nós queremos viver em democracia, esse é um custo que infelizmente não dá para cortar.

O presidente Bolsonaro disse que as eleições de 2018 foram fraudadas e que ele ganhou no primeiro turno. Foi leviandade da parte dele?

Eu só julgo as pessoas nos autos. Não estou aqui para julgar a declaração do presidente. Mas, o que posso dizer, em nome do TSE, é que nunca foi apresentada qualquer prova de ocorrência de fraude nessas décadas em que utilizamos as urnas eletrônicas. Se alguém nos trouxer uma prova, vamos apurar e investigar. Nunca houve uma denúncia que tivesse qualquer fundamento. O sistema é totalmente auditável. Existe um conjunto de pessoas que pode fiscalizá-lo. Sempre comporta aprimoramentos, mas nunca se documentou nada desfavorável ao sistema das urnas eletrônicas, que é um sistema admirado em todo o mundo. Portanto, retornar ao voto impresso é mais ou menos você cancelar a assinatura da Netflix ou da GloboPlay para comprar um vídeo cassete. Ou seja, é voltar no tempo.

O senhor já disse que o voto impresso é, inclusive,inconstitucional, certo?

Houve uma tentativa de voto impresso nas últimas eleições presidenciais de 2018, da relatoria do ministro Gilmar Mendes, e o Supremo, ao julgar uma medida cautelar, suspendeu o voto impresso. Além disso, o retorno ao voto impresso custaria alguns bilhões de reais, pois teríamos que comprar impressoras, acoplá-las a todas as 500 mil urnas, se é que isso é viável. Seria necessária uma licitação para trocar todas as urnas. Não é um custo baixo para se introduzir um sistema menos eficiente e de maior risco. Na história do Brasil, sobretudo na história da República Velha, sempre foi um processo cheio de fraudes. Não sei de onde vem a crença de que o voto impresso tem menos fraudes. O que diminuiu as fraudes foi o voto eletrônico.

As nossas urnas eletrônicas são confiáveis?

São totalmente confiáveis e nós estamos sempre reforçando os esquemas de segurança. Há um período inclusive em que o TSE convoca as pessoas para tentar violar o sistema, para que se possa descobrir alguma vulnerabilidade. Acho, sim, que o sistema é seguro. Basta verificar que sob esse sistema já foram eleitos o presidente Fernando Henrique Cardoso, Lula duas vezes, Dilma duas vezes e o presidente Bolsonaro. Alguém acha que o resultado dessas eleições não foi verdadeiro?

É possível implantar um sistema de votação online, com pessoas votando pela Internet ou por celular?

Preciso lembrar que ainda não sou o presidente do TSE e que o tribunal é muito bem dirigido pela ministra Rosa Weber, mas nós já estamos planejando as eleições do futuro utilizando meios tecnológicos mais baratos do que a urna eletrônica, porque elas custam caro. Temos que comprar periodicamente urnas para reposição, pois elas envelhecem e isso custa muito dinheiro. Já temos um grupo programando as eleições do futuro. É claro que temos de ter cautela, porque o voto é secreto e precisamos de mecanismos auditáveis que impeçam as fraudes. Mas, certamente, temos de modernizar ainda mais o sistema.

O senhor acha que o financiamento de campanhas deveria voltar a ser feito pelas empresas?

O financiamento de campanhas por empresas no Brasil era deletério, mafioso. O empresário podia tomar dinheiro emprestado no BNDES e financiar o candidato da sua preferência. Portanto, usava dinheiro público para defender seus interesses. A empresa podia fazer doações para os três principais candidatos, como aconteceu em 2014. Destinaram recursos para Aécio, Dilma e Marina. Ao doar para os três, você não está exercendo o direito político. Ou você foi achacado ou está comprando favores futuros. Qualquer uma das alternativas é péssima. O sistema permitia que a empresa que financiou a campanha fosse contratada depois pela administração vencedora. A doação de campanha era paga com contrato administrativo. Portanto, era tudo uma profunda indecência e da mais absoluta imoralidade. Por isso, em boa hora, com o meu voto, o Supremo derrubou esse modelo.

Devemos manter o que está aí então?

O financiamento público do horário eleitoral eu acho que vai vem. O próprio fundo partidário já havia se incorporado à vida brasileira, mas pelo fundo eleitoral eu não tenho nenhuma simpatia. Acho que quem deve financiar a democracia é a cidadania, os próprios cidadãos. A política tem de poder mobilizar os interesses dos cidadãos para que façam pequenas doações. Sou a favor do financiamento privado por pessoas físicas. Nos Estados Unidos as empresas não podem doar para os candidatos. Os candidatos nos EUA fazem rotineiramente jantares para arrecadação de fundos e pedem doações. É assim que deve ser. É preciso derrotar essa mentalidade brasileira de que tudo tem que vir do Estado. Os sindicatos dos trabalhadores querem ter a contribuição sindical obrigatória e os empresários, ao invés de conquistar os consumidores, tentam obter do Estado o financiamento público para seus negócios e ter reserva de mercado. E na política também acontece a mesma coisa: ela tem de conquistar o eleitor e não o Estado. O financiamento ideal é o financiamento privado pela cidadania.

Com todos os ataques que temos visto nos últimos dias ao Congresso e ao Judiciário, o senhor acha que a democracia brasileira corre riscos?

Não acho que corramos riscos. Nós temos lições sólidas, que amadureceram muito e tem resistido a chuvas, trovoadas e vendavais, sem que ninguém cogite soluções que não sejam as do respeito à legalidade democrática. E mesmo nos momentos em que houve manifestações que poderiam relembrar períodos autoritários, com referência ao AI-5, por exemplo, a reação da sociedade foi tão vigorosa que eu acho que demonstrou a robustez da democracia brasileira. Agora, há uma onda de restrições democráticas no mundo, que já atingiu alguns países, e nós precisamos estar atentos. A verdade é que as instituições no Brasil funcionam bem, com todos os poderes atuando democraticamente. O presidente já editou medidas provisórias que o Congresso rejeitou e ele já tomou medidas que o próprio Supremo derrubou.Então, tanto as decisões do Congresso, quanto as do Supremo, foram adequadamente cumpridas. Isso é a democracia. É preciso não confundir autoritarismo com conservadorismo. Ou autoritarismo com políticas das quais alguém possa não gostar. Assim é a democracia: uma hora a gente vence e na outra a gente perde. Nesse momento, não vejo qualquer risco para a democracia, porque as instituições funcionam bem, estão atentas e assim devem continuar.

Quando o presidente Bolsonaro estimulou atos que propunham o fechamento do Congresso e do Judiciário, o senhor acha que ele criou uma crise institucional desnecessária?

Essa é uma pergunta para comentaristas políticos. Eu tenho por princípio falar só sobre as instituições. Não é próprio para um juiz comentar o varejo político. Acho que hoje vivemos uma crise sanitária, que traz como conseqüência uma dificuldade econômica, mas não vejo nenhuma crise institucional, nem imagino que ela possa vir.

A expansão do coronavírus preocupa o Poder Judiciário? As atividades no STF e nos fóruns podem ser suspensas?

Todos os segmentos da vida brasileira serão impactados. Eu tenho muitas preocupações porque a doença afetará não só o Judiciário, mas também prejudicará a economia, as empresas, os pequenos negócios, o cabeleireiro, a academia de ginástica, o restaurante, etc. Portanto, essa pandemia traz uma aflição generalizada. O Supremo, pela natureza de seu trabalho, será menos afetado do que os outros tribunais. O STF não precisa da presença de partes e hoje 95% dos processos são eletrônicos. Nós temos formas de realizar nossas sessões online, o que chamamos de plenário virtual, que evita maior impacto.

O senhor é a favor da aprovação de medidas que implantem a prisão após condenação em segunda instância que estão em discussão no Congresso?

Não tenho nenhuma dúvida de que o Congresso precisa aprovar a prisão após condenação em segunda instância. Acho que a alteração que produzimos em 2016 teve um impacto extremamente relevante e positivo sobre o sistema penal brasileiro. Não aumentou os índices de encarceramento. Não atingiu o andar de baixo, mas funcionou como um grande desestimulo à corrupção e um incentivo às colaborações premiadas. O sistema em que o processo não termina não serve para ninguém. Não serve para o País, não serve para o Judiciário e não serve para os advogados. O sistema tem que funcionar. Nós nos acostumamos com patamares muito ruins de Justiça. Temos de enfrentar isso corajosamente. Portanto, tenho a expectativa de que o Congresso seja capaz de atender ao sentimento da sociedade brasileira que tem uma imensa demanda por integridade e pelo fim da impunidade. Tudo dentro da Constituição e dentro das leis, sem vingadores mascarados. Mas precisamos ter um sistema penal que funcione, em que as pessoas deixem de delinqüir pelo temor de que serão exemplarmente punidas. Quando o sistema penal não consegue punir ninguém que ganha mais do que cinco salários mínimos, você cria um país de ricos delinquentes e de pessoas que, sem muita cerimônia, praticam corrupção ativa, passiva, peculato, fraudes em licitações, desvios em toda parte. Nós criamos um país em que a regra era a que todo contrato público federal relevante tinha alguém levando vantagem indevida. O modelo padrão da contratação do serviço público federal no Brasil era movido por propinas, com o superfaturamento das obras e fraudes em licitações. Não é possível que nos tornemos um país desenvolvido com esse padrão de ética privada que se pratica no Brasil. Sou defensor de um pacto de integridade.

Como seria esse pacto?

Ele teria regras simples: no espaço público, não desviar dinheiro. E no espaço privado não passar os outros para trás. Essa seria a grande revolução brasileira. Exige do Legislativo uma reforma política para baratear eleições, porque o financiamento eleitoral traz os problemas de corrupção. Iria exigir do Executivo que os agentes públicos não se considerem sócios do Brasil ou donos do Brasil, para levar vantagem indevida em todos os contratos. E o Judiciário que leve com seriedade os crimes de colarinho branco e possa romper com a mentalidade de que o sistema penal só existe para punir o menino pobre. Com esse pacto celebrado, na democracia há espaço para todo mundo, para liberais, progressistas e conservadores. Só não deve ter espaço para a desonestidade.

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