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Fala, Memória: Fazeres e dizeres da minha infância

*Evaldo Alves de Oliveira

No final dos anos 1950, Areia Branca era uma cidade com forte movimento de embarcações, utilizadas principalmente para o transporte do sal, que envolvia barcaças, rebocadores e botes, além, evidentemente, daquelas destinadas ao transporte de passageiros para as cidades e praias do outro lado do rio. Recebíamos, também, a visita de belos iates, com suas velas brancas e seu porte majestoso.

O povo era pacato, e o clima que reinava entre as pessoas era de cordialidade e de respeito, embora a violência urbana já se mostrasse viva e atuante. Houve um delegado que prendia o sujeito e mandava que o elemento o esperasse na delegacia, que ele iria logo em seguida. E a pessoa detida ficava aguardando o delegado chegar. Os ladrões, pobres pés-de-chinelo, eram poucos. E todos conhecidos.

Certa madrugada, uma dona de casa, ao perceber que havia alguém forçando a porta de sua casa, falou alto, simulado confiança:
– Manoel, acorda! Tem um homem forçando a porta com uma cavilha! Anda, Manoel, Acorda!!!

O ladrão, com a tranquilidade de quem comia uma bolacha na padaria de seu Lalá, respondeu:
– Dona Joana, para com isso. Eu acabei de passar pelo Manoel, no cais, e ele ia trabalhar no rebocador. Vamos, passe logo a tarrafa dele pela janela do lado, que eu vou embora. Mas jogue a tarrafa sem olhar para fora.

Janice, sentada no banco da pracinha, percebeu que uma garota a observava, fingindo conversar no banco em frente. Deu um tempo, para se certificar de que não era impressão sua, e disparou:
– O que é que óia, eu não sou jóia. O que é que espia? Eu não sou jia.

Antonio Cruz, menino esperto, fingindo não ter qualquer interesse no bolo que dona Noêmia estava tirando do forno, esticava aquele olhar pidão em direção à mesa, com ar de quem nada queria. Dona Noêmia, sem entender as intenções do garoto, falou:
– Quer matar papai, oião? E tem mais: perto de quem come e longe de quem trabalha, garoto. Ao final, o garoto saiu à rua com uma boa fatia de bolo.

Em plena festa de agosto, o comentário de quem fora à barraca de Zacarias, na pracinha em frente ao palacete municipal: “Tinha gente em tina”.

Na rua da frente um senhor escorregou em uma casca de banana e caiu. Chico Lino correu para ajudá-lo a levantar-se. Logo se formou uma pequena aglomeração em torno, e o comerciante foi ríspido:
– Vamos afastando todo mundo que não morreu galego não!

À tardinha, eu e minha mãe fomos visitar dona Mariinha de seu José Cirilo. Na casa, a alegria dos filhos já crescidos – Maria Laís, José, Chico, Ceci, Anália e Raimundo. Após um café com tareco, preparávamo-nos para sair quando fomos impedidos por dona Mariinha:
– Tomar vento depois do café? De jeito nenhum. Pode pegar um ramo.
E ficamos por mais meia hora. A sorte é que o papo era dos melhores.

Rua da Frente, bodega repleta de pessoas. Umas comprando víveres para casa, a maioria bebendo pinga. Um senhor no canto do balcão tomava uma dose de Conhaque de Alcatrão de São João da Barra, e contemplava o rio que passava em frente, silente, como a cumprimentar o manguezal ao fundo. Entrou alguém e comentou:
– João Beá andou espalhando que recebeu uma boa herança de um parente, e até pagou bebida para os amigos. Um senhor veio de Mossoró e foi à casa dele cobrar uma conta antiga, de valor elevado. Coitado, a herança foi toda embora.

O cidadão do conhaque falou, como se conversasse consigo mesmo:
– Pois é, quem tem cabeça de cera não anda no sol.
Pagou a conta e foi embora. Foi visto pegando a sopa que ia para Mossoró.

(*) Evaldo Alves de Oliveira, areia-branquense. É médico e escritor.

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